Um pouco gato, um pouco chuva

Meu olhos despertam antes mesmo do meu desejo: 5h59. Logo sinto no corpo que esse vai ser "um daqueles dias". Demoro a levantar, e não por preguiça, mas teimosia do corpo em resistir a esse despertar em pleno sábado. No pé da cama, encaro meus dois gatos, que já despertaram há cerca de uma hora e, naquele instante, estavam mais do que satisfeitos que eu estaria levantando. Enquanto, com movimentos lentos, ensaio minha saída da cama, eles já se adiantam e iniciam a sessão de yoga - alongar as duas patas da frente, em adho mukha, depois alongam, uma de cada vez, as patas traseiras, em um "meio" parsva balasana ou bird-dog pose. Observo-os com curiosidade enquanto já inicio minha primeira inveja do dia: inveja do alongamento matinal dos meus gatos. Penso em como meus dias começariam com mais tranquilidade se, sem pressa, eu sentasse na cama, alongasse, olhasse ao redor com calma e ficasse parada por alguns segundos, assim como eles. "Como eu queria não ter pressa", pensei comigo. Conformada, levantei e fui até a cafeteira fazer a única coisa que não me apressa, moagem e filtragem de um bom café - embora mesmo a moagem não seja manual, porque eu perderia muito tempo, então o moedor é elétrico. Irônico. Ai que inveja dos meus gatos. Café pronto, um iogurte e um pão com requeijão. Sentada na mesa da cozinha, observo a chuva que cai lentamente, sem pressa, ora com gotas mais robustas, ora como uma garoa fina, sem se preocupar a quem molha, se arruina a escova da senhora que recém saiu do salão ou mesmo do trabalhador que cuidadosamente passou sua melhor camisa para aumentar suas vendas - a chuva simplesmente não se importa. "Como eu queria não me importar com o que os outros pensam", pensei comigo. Vejam só a audácia da chuva, cai no horário que quer, por vezes só ameaça e a todos engana, e segue fazendo isso por uma eternidade - e ainda achando bonito! Balancei a cabeça e dei de ombros, afinal a vida é assim mesmo, mas se até a chuva tem coragem de ser como ela é, doa a quem doer, por que é tão difícil pra mim também seguir a minha natureza? Fato é que, embora eu inveje tanto os meus gatos como a chuva, ambas as características que o constituem também estão dentro de mim. Cada vez que eu escuto atentamente a um lamento de um amigo, sem pressa para interromper, eu também estou permitindo que se expanda em mim a paciência; cada vez que eu escrevo, mesmo sem saber se escrevo corretamente e/ou de forma agradável, e jogo isso pro mundo, eu também estou sendo um pouco como a chuva, que também flui, muda, molda-se no tempo. Que audácia tenho eu, na verdade, em achar que não fluo como a água, que não me conecto com cada pedaço da natureza. Talvez amanhã eu acorde e me sinta um pouco gato, um pouco chuva, ou talvez não - mas vale a pena a tentativa.
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Autor Reckless Serenade.

Como diria Gabito Nunes: "eu é que tenho mania de - uns chamam de dom, outros de doença psíquica, e eu gosto de conceber isso como um estilo de vida - romancear tudo."

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