Para além de trinta-e-nove semanas.

Passava das cinco horas da manhã, quando Mônica decidiu pegar uma mochila, levar apenas o que precisasse para passar pelo menos uns três dias longe do seu apartamento e de todas as lembranças que insistiam em aluciná-la todas as noites. Sem hesitar, custou em ligar sua moto, que há mais de um mês não usava, de certa forma até isso conseguiu estressá-la a ponto de precisar acender um cigarro antes de colocar o capacete. Apoiou os cotovelos no banco da moto e ali ficou, pensando para onde que iria e o que faria no meio do caminho. Tirou da mochila seu iPod e um headphone preto com algumas caveiras - presente de sua mãe, que dava a filha a definição exacerbada de "gótica", fato que conseguia remetê-la ao seu estilo usado no ensino fundamental. Não sabia qual seria a playlist que tocaria para o que estava prestes a fazer, por isso passava todas as músicas que poderiam causar cólera ou que remetessem a alguém. Optou por ouvir Leonard Cohen, enquanto deixava que a brisa da madrugada quase congelasse seu rosto pálido. 

Minutos antes de subir na moto, recebeu uma ligação. Era Alex. Quase 39 semanas após o traumático término, não entendia o porquê de ele insistir em bater em sua porta ou até mesmo ligá-la nas horas em que mais lutava para esquecer, de uma vez por todas, tudo o que renunciou para estar ao lado dele.
Soltou um riso sarcástico e atendeu o telefone, ficando em silêncio enquanto esperava que ele se pronunciasse.
_ Oi? Mônica? - disse ele, talvez entendendo que ela não teria atendido.
_ Oi. - disse ela, friamente.
_ Tudo bem? Onde tu tá? - perguntou ele, desinteressado.
_ Tudo. Tô por aí. - hesitou um momento, pensando que ele iria continuar - E tu?
_ Tô perto do teu prédio. - disse ele, com certa malícia.
_ Massa. Tô saindo. - disse ela, parecendo ironizar a afirmação dele.
_ Não quer me ver? - perguntou ele, soltando um riso frouxo na última palavra.
_ Não. Não quero mais. A gente já falou sobre isso. - disse ela, parecendo aquelas mães dando bronca nos filhos.
_ Tem certeza? Olha.. Sei que já passou um tempo, mas.. 
_ Chega, Alex. Com certeza tua agenda tá cheia de outros números pra tu ligar. Me deixa em paz, por favor. - disse Mônica, numa respirada só, quase gritando.
_ Tá. Sei que não é isso que tu quer, mas então tudo bem. Devemos parar de falarmos um com o outro. - disse ele, recalcitrante.
_ Já faz mais de um mês que a gente não conversa, Alex. Pra mim, não faz diferença. - disse ela, irritando-se no final por ter feito uma voz um tanto quanto vitimizada.
_ Imagino. Então tá, tchau. - disse ele, esperando que Mônica se arrependesse e voltasse atrás com o que disse.
_ Bye, bye. - disse Mônica, afinando a voz e encerrando a ligação.

Guardou o celular no bolso do casaco, respirou fundo e apoiou a cabeça nas duas mãos. Não acreditava que tinha conseguido ser rude com Alex, mas de certa forma sentia orgulho por ter demonstrado que dessa vez as coisas não seriam como ele queria, mesmo que ele titubeasse em dizer que tudo sempre era feito do jeito que ela queria.
Mônica, sempre que o ouvia dizer isso, relembrava todas as situações em que ele combinava alguma coisa e nos últimos minutos, dava com o pé atrás; ou das vezes em que sabia o melhor caminho a seguir mas deixou que ele tomasse a frente.

Subiu na moto, ligou-a, aumentou o volume do iPod e decidiu que não usaria capacete, sabia que nada aconteceria com ela, afinal, não sabia correr e muito menos tinha a intenção de se matar. Afinal de contas, ainda não tinha perdido a sanidade.

Sabia que algumas horas depois estaria sujeita a receber alguma bronca de Caio, um amigo que tinha feito recentemente e que relutava em cuidá-la como se fosse sua, o que às vezes confundia Mônica, mesmo que ela gostasse de ser tratada com tanto cuidado. Gostava de Caio, mesmo que ele divagasse sobre Freud em todas as vezes que saíram juntos para beber alguma coisa.
Inventaria alguma coisa para Caio, Amanda, Rafael, Roque ou seja-lá-quem ainda se preocupassem com um possível sumiço seu. Sabia que apenas precisava de alguns dias para que retornasse com a avidez de quem ainda acredita que romances desnecessários ainda podem ser evitados.

"I remember you well in the Chelsea Hotel.. That's all, I don't even think of you that often.."


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Autor Reckless Serenade.

Como diria Gabito Nunes: "eu é que tenho mania de - uns chamam de dom, outros de doença psíquica, e eu gosto de conceber isso como um estilo de vida - romancear tudo."

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