É bonito o tanto de poesia que a gente cria sobre a dicotômica palavra "saudade". Quando você sente saudade de alguém, em qualquer outro lugar do mundo você sente falta dela - you miss someone. Sente falta da sua presença, do encontro, do afago, de existir ao lado dessa pessoa. Aqui, a gente sente muito mais do que a falta; a gente revive lembranças, sente na pele a vontade do contato, sente no ar o cheiro do perfume de alguém que há muito já partiu.
Aqui, em um só dia, a uma só tarde, sentimos milhões de saudades. De mais de uma pessoa, de mais de uma fase da vida, de mais de um sentimento - sim, sentimos saudade de como nos sentimos em algum outro momento.
Hoje me lembrei de quando ele me disse que deveríamos ver menos sofrimento na saudade, que deveríamos senti-la de modo mais compassivo, como que de certo modo agradecendo à vida por ter nos proporcionado o encontro com aquela pessoa e também a capacidade de sentir. Acho que ele está certo, pois constantemente associamos a saudade à dor da falta, à dor da ausência e à diminuta esperança do reencontro. É preciso um jogo mental muito bem articulado e determinado para conseguirmos sentir saudade de alguém e, apesar disso, sorrir. É preciso, a cada lembrança, a cada palavra entalada na garganta, ter força para dizer para si mesmo: tá doendo, mas é bonito. Dói e é bonito doer. A dicotômica saudade. Dentro da saudade existe beleza e existe dor, existe gratidão e existe descontentamento, existe esperança e existe o sentimento de perda total. Nunca sabemos se a saudade será logo aliviada ou se só se fará crescer, nunca sabemos se sentimos sozinhos ou se sentimos mais que a outra pessoa: apenas sentimos. É aquele aperto no peito que vem no terceiro gole do café, ainda quente, que lembra a companhia e o abraço; é a angústia que toma conta do coração toda vez que o pé, ansioso, procura por outro por debaixo dos lençóis; é também o sorriso entre os lábios por lembrar de uma palhaçada ou de uma risada que saiu estranha; é o conforto em pensar que não se viveu sozinho aquele instante, que se permitiu partilhar, que se entregou, mas que ao mesmo tempo agora se encontra sozinho.
Ah, como é dicotômica a saudade. Como dói e como é lindo o porquê da sua dor. É lindo quando dói, mas mais ainda quando a pessoa ainda está ali, ao menos em pensamento, também ansiosamente procurando pela tua mão, sem nem perceber.
Saudade é reencontrar a própria solidão, que na verdade sempre esteve ali, mas que por um momento, por amor, você resolveu dá-la a alguém, tal qual Clarice quando disse que amor é dar de presente ao outro a sua solidão.
Saudade é lembrar do teu sorriso e sorrir novamente, porque se tu tens motivos para sorrir, estarei feliz novamente.
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