Sob novo ângulo

 Era quase dez horas da noite de uma segunda-feira. Mônica tentava, sem sucesso, ajustar o ventilador que insistia em direcionar o vento para o seu rosto, o que fazia com que seu charuto precisasse ser aceso novamente a cada minuto. Assim que notou que a guerra estaria perdida, resolveu tomar uma atitude mais sensata e coerente com a sua incapacidade de consertar objetos: sentou-se em outra cadeira. Sentou na cadeira de Nícolas - aliás, o charuto, o cinzeiro, o maçarico, tudo lhe pertencia, o que estava acontecendo naquela noite era uma espécie de apropriação de hobby. A saudade era tanta que Mônica acordou naquele dia decidida a viver uma vida um pouco mais Nícolas - com um despertador que toca cedo e com um momento de lazer ao som de Ólafur Arnalds. De certo modo, o fato de ter mudado de cadeira por conta da inconveniência do vento fez com que ela tivesse, mesmo sem notar, introjetado mais um elemento imprescindível para finalizar o seu dia a-la-Nícolas: sentar-se onde ele senta e poder ver as coisas pelo seu ponto de vista. Diferentemente da cadeira em que costumava sentar, a de Nícolas ofertava-lhe uma vista tímida dos prédios e do céu. Ajeitou-se na poltrona, apoiou o cotovelo direito no seu braço e, enquanto tentava se lembrar da forma correta de acender um charuto sem queimá-lo e amargá-lo, ficou reparando nos pequenos detalhes que poderiam ser notados por Nícolas daquele ângulo. 

Ele era, sem dúvida, a pessoa mais detalhista que até então ela havia conhecido. Seu olhar era poético, era sensível, era guiado por emoções que há muito ele lutava em cultivar, mesmo que a vida e o mundo tivessem sempre dado a ele razões para acreditar que havia muito mais preto-e-branco do que colorido no filme da vida. Por conta disso, Mônica admirava a sua teimosia. Admirava a forma com que um simples fio de cabelo transpassando o seu olhar lhe fascinava. 

Enquanto passeava o olhar pela sala, notou que uma corrente de ar passava pela janela e se direcionava justamente para a sua cadeira - aquela que havia abandonado por conta da ventania incessante. Nesse momento, notou que na verdade era o vento da janela que insistia em apagar o seu charuto, e não o ventilador. Riu sozinha. Enquanto olhava para a sua cadeira, lembrou-se da vez em que foram até a loja da esquina e compraram aquelas duas poltronas cor-de-vinho, que seriam as elegidas para o evento de degustação de um charuto e de um uísque. Por dois meses ficaram em busca das cadeiras perfeitas, e naquele final de janeiro haviam encontrado. Nesse dia, ao chegar em casa, Nícolas posicionou a sua e, de imediato, encontrou o ângulo perfeito para posicionar a cadeira de Mônica. Posicionou-a de modo que, de onde estivesse, conseguisse ver a paisagem lá fora, à sua frente, e diagonalmente enxergasse as belas coxas dela e presenciasse o vento bagunçar os seus cabelos - mesmo sabendo que vez ou outra ouviria alguma reclamação sobre isso. 

Da cadeira de Nícolas, ao lado de Mônica, era possível ver os seus quadros e discos favoritos pendurados na parede, e isso certamente lhe trazia lembranças do apartamento dela, do tempo que haviam passado juntos na capital e de todos os novos ângulos que havia aprendido a olhar naquele tempo.

A verdade é que tanto Nícolas quanto Mônica precisaram aprender a sentar, de vez em quando, um na cadeira do outro. E, naquela noite, degustando um charuto e incorporando os trejeitos de seu amado, Mônica lembrou-se do tanto que aquele homem lhe representava cura. Nícolas lhe representava a primeira experiência verdadeira de amor, aquela composta por duas pessoas que partiram de lugares completamente diferentes, mas, mesmo assim, encontraram-se num toque. Encontraram-se no afago, no desejo que arde, na ânsia por partilhar caminhos e livros e músicas e charutos e tantos outros momentos que só são sentidos pelo coração. Com ele, Mônica colecionava momentos em que lhe faltavam palavras, momentos em que quem tomava as rédeas era o corpo, era o espírito, era o seu mais profundo eu em êxtase. 

Aquele era o seu homem. E aquela poltrona representava o seu ângulo.



Compartilhar Google Plus

Autor Reckless Serenade.

Como diria Gabito Nunes: "eu é que tenho mania de - uns chamam de dom, outros de doença psíquica, e eu gosto de conceber isso como um estilo de vida - romancear tudo."

Postagens Relacionadas

0 comentários :

Postar um comentário

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial