Valium

 Deitada, seminua, banhada à luz amarela da luminária em formato de lua; você, sentado na ponta da cama, olhando para o armário do quarto, tua sombra refletida na parede, Hibou tocando e, de repente: "você tem certeza que quer ter intimidade comigo?".

Às vezes na fila do pão, ou no silêncio do bar, entre goles curtos de quem só bebe por costume, eu me lembro dessa tua pergunta. Salta em meu pensamento a paranoia do que teria sido a gente caso eu dissesse que não. Do que teria sido de nós caso eu tivesse te dito vários não lá no início - mas a verdade é que eu sempre disse sim pra tudo, né? Bom ou não, os meus sins nos trouxeram até aqui. 

Irônico que se eu tivesse me afastado na primeira oportunidade talvez tivéssemos nos desencontrado pra sempre. Você realmente teria me procurado se eu sumisse da sua vida, lá no início? Acredito que não, e não falo isso com dor, nem culpa, nem vergonha... pelo contrário, você tinha o direito. Talvez eu mesmo tenha te roubado esse direito quando me apertei no teu microapartamento, quando espalhei meus brincos pela única mesa da casa, quando te dizia pra ter forças e continuar. Acredito que eu tenha tomado espaço demais a ponto de você não conseguir mais fugir.

E foram muitos sins. Você se afastava e eu, simulando maturidade, compreendia e engolia a seco o fato de que te queria mais presente. Uma vez você inclusive disse que eu estava sendo muito "demandante", esse termo até hoje passeia pelos labirintos do meu cérebro. Quando você foi duro, quando você disse que eu precisava de ajuda, eu disse sim, eu concordei, quando na verdade talvez a minha dor era só te ver distante, não mais do que isso. Era a ânsia de te ter do meu lado no sofá. 

Por todas vezes que você foi casually cruel in the name of being honest: eu disse sim, eu te esperei, eu compreendi tuas ausências mais do que eu suportava. E quando você esteve perto, finalmente, em muitos momentos eu senti como se, na verdade, eu somente tivesse te convencido que era uma boa ideia estar ao meu lado, mas ainda me pergunto o grau de espontaneidade da tua escolha. 

Como eu disse, eu me enfiei na tua vida, e talvez você se viu sem escolha senão ceder. Quando você esteve perto, finalmente, você mostrou, mesmo sem querer, que a partir de então eu deveria ser tudo pra você, tudo aquilo que o amor romântico prometeu, afinal, você tinha finalmente aceitado entrar nessa. Eu sei, você vai negar, você me viu chorar milhares de vezes e se desesperou com minha "imaturidade".

Se você soubesse que de todos os choros que chorei, teve um choro em específico em que você me olhou, me encostou no teu peito e me abraçou, sem nada falar. E naquele momento meu peito derreteu e eu senti tanto alívio, tanto amor, tanto acolhimento, que mais tarde você começou a se mostrar resistente em mostrar. Hoje em dia o meu peito sofre para apagar os soluços da madrugada enquanto você fingia não ver nada.

Logo eu, que sempre disse sim, né? Logo eu. Os meus nãos não eram muito bem aceitos no teu vocabulário, nem mesmo acompanhados de uma meia calça arrastão.

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Autor Reckless Serenade.

Como diria Gabito Nunes: "eu é que tenho mania de - uns chamam de dom, outros de doença psíquica, e eu gosto de conceber isso como um estilo de vida - romancear tudo."

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