e foi durante as primeiras aquarelas que eu me deparei com minha ansiedade e incessante busca por perfeição. exatamente naquela ideia de "se não for perfeito, que nem seja feito". a cada aguada, o pigmento se deslocava para qualquer local menos o desejado; a tinta demorava pra secar ou a tinta secava rápido demais; quando eu respirava fundo e decidir dar um tempo, já havia passado o período de ajuste das pinceladas. quando eu achava que ainda podia consertar, novamente o fenômeno do tempo acabava com as minhas esperanças. comecei a notar que todas as expectativas que eu tinha sobre os meus desenhos praticamente nunca se concretizavam, e não porque eu não me dedicava a isso, e sim porque nada dependia só de mim. muda se o tempo está úmido, muda se meu pincel não é de boa qualidade, muda se meu papel não tem a gramatura correta. são diversos detalhes que, na maior parte das vezes, independem da ação humana. até o dia que eu decidi esboçar meu pai, meu pai ao lado de uma floresta de lavandas. o esboço ficou tão "não-real" e grosseiro que eu me levantei, rasguei o papel e coloquei no lixo. talvez essa reação tenha sido amplificada pelo fato de que eu não admitiria meu pai desenhado sem perfeição, sem que eu conseguisse transmitir, nos meus traços, toda a paz e harmonia que ele exalava. diante de uma sequência de frustrações, pensei em desistir - ah, isso não é pra mim, vou deixar pros artistas de verdade, pensei. cuspi na minha arte, duvidei da minha capacidade de aprimoramento, e tudo isso porque nada saiu como eu planejava, e mesmo que saísse deveras bonito, ainda não era digno de mostrar e me orgulhar. e assim a gente vai encarando a vida, com medo de se jogar, mesmo sabendo que é durante o processo que a gente vai crescendo e se aperfeiçoando. sigamos, da forma que dá.
Como diria Gabito Nunes: "eu é que tenho mania de - uns chamam de dom, outros de doença psíquica, e eu gosto de conceber isso como um estilo de vida - romancear tudo."
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