Um, dois, três

Não que fosse capaz de explicar algo, mas quando Mônica sentava no balcão do bar, na ponta, aí então podia finalmente descansar os braços, a mente e a garganta com um gole atrás do outro. Naqueles instantes, embora o corpo insistisse em não descansar, empurrando cada vez mais os impulsos para as unhas a fim de roê-las, Mônica respirava fundo e tentava, pelo menos ali, pelo menos agora, deixar de estar no controle de qualquer coisa se não o movimento de levantar o copo. Observava o movimento dos garçons, a atenção e curiosidade dos clientes, a torneira de chope que equilibrava perfeitamente o liquido com a espuma. Tudo parecia estar em perfeita sincronia. De certo modo, sua própria vida e seus anseios não pareciam estar síncronos, mas era reconfortante saber que o mundo continuava a girar e que o universo não presenteava as pessoas só com tragédias. Seja românticas, financeiras, intestinais ou profissionais. A desordem que vivenciava principalmente na sua cabeça parecia menor naquele lugar. Se podia tirar de dentro do seu bolso algumas moedas para alguns goles, a noite já tinha valido a pena. Tique-taque, os passos se tornavam mais ligeiros porque a clientela se aproximava. O chão de madeira trepitava com a intensidade dos passos. Mais um pedido perfeitamente acomodado em uma caixinha de madeira com divisórias e com uma alça, onde serviam seis copos: duas cervejas, uma coca-cola, uma água e um copo vazio. As múltiplas fragrâncias que se misturavam cada vez que um grupo de mulheres passava. Do doce ao amadeirado, do floral ao crítico. Tick, a campainha anunciava que mais um pedido estava pronto. A ascendente preocupação da gerência, a divisão de atendimento: quem fica lá fora? quem fica aqui dentro? As vozes e risadas que se tornavam mais altas, e a demanda por copos limpos explodia na cozinha. Na sua frente, enquanto seus olhos corriam pelo recinto, chamava a sua atenção um copo que, virado para baixo, recebia um jato de água gelada. "É pra que os copos fiquem gelados para servir", disse Lucas. Tick, mais um pedido pronto. "Hands, chef!". Mônica ria e sorria com a perfeição do serviço. Com a delicadeza um tanto bruta da correria. Tick, mais três caixas de tele-entrega. A meia-luz, o barulho do fogão estalando, a campainha de pedidos, o pacote de gelo sendo quebrado na parede, o rock-n-roll na caixa, o gotejo do chope em mais um copo. A perfeita sincronia que, ao menos naquela noite, faria com que as batidas do coração de Mônica não precisassem ter pressa. No fim, mais um sábado à noite. Tique-taque, "estamos cheios, você se importa de aguardar a liberação de uma mesa?". Texto escrito em novembro de 2024, inspirado no bar "Galgo".
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Autor Reckless Serenade.

Como diria Gabito Nunes: "eu é que tenho mania de - uns chamam de dom, outros de doença psíquica, e eu gosto de conceber isso como um estilo de vida - romancear tudo."

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