Eu tive um pai

Apesar da dor em te escrever com verbos no passado, tudo aquilo que sinto por ti está vivo, com verbos no presente e com o coração que pulsa desordenado de tanta saudade. Eu tive um pai e, mais do que isso, eu tive um pai presente. Qualquer um que venha comigo falar de amor, de escuta e de presença, vai esbarrar em uma enxurrada de lembranças de alguém que provou o verdadeiro significado dessas palavras. É árdua a tarefa, para os que estão por perto, de superar tudo aquilo que meu pai fez - e ainda faz - por mim. E não preciso que o façam, por óbvio. Meu pai ainda faz muito por mim porque ele ainda está em mim, seja no meu jeito de caminhar, nos trejeitos ao falar, no formato do meu nariz, no timbre da minha risada, na voz mais grossa, no ouvido afiado para músicas belas; seja nas decisões difíceis em que sopeso as alternativas apenas lembrando de três palavras:"tá tudo certo"; seja na vontade de escutar um álbum novo com o volume exacerbado; seja na calmaria em tomar um mate enquanto preencho as palavras cruzadas do jornal; seja na vontade de reunir os amigos, uma cerveja gelada e, aproximadamente às 05h, deixá-los na certeza de que são amados e ouvidos, enfim. Como diria Luiz Carlos Borges: "O mundo muda", e o meu mundo virou de cabeça pra baixo quando ele se foi, mas o que ainda se expressa sem fim na minha vida é tudo aquilo que ele foi pra mim, tudo o que me fez ser e os valores que me ensinou - às vezes só no silêncio de um olhar, só demonstrando seu caráter e sua firmeza perante as dificuldades da vida. O mundo muda e segue mudando, pai, como num acorde bem ensaiado que nunca sai da mesma forma e como a aba de um chapéu bem tapeado que se modifica com a ventania.

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Autor Reckless Serenade.

Como diria Gabito Nunes: "eu é que tenho mania de - uns chamam de dom, outros de doença psíquica, e eu gosto de conceber isso como um estilo de vida - romancear tudo."

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