(Des)consertando-se.


Há dias sentia que não tinha mais controle sobre si mesma; como se tudo ao seu redor parecesse prolixo e a deixasse invocada até com o canto de um pássaro indefeso. Acordava pela manhã, olhava para a movimentada rua e pras verdes árvores e queria, como que de uma hora pra outra, enxergar a solução para aquela dor que não cessava e aquela dúvida sobre o que era verdade ou não.
Os dias se tornavam cada vez mais longos, mesmo que ela reclamasse que as semanas estavam passando rápido. Ainda conseguia sorrir ao ver Eduardo e sentia que o respeito dele para com ela ainda continuava o mesmo, porém, a condição de amizade colorida ainda não estava extinta.

Naquela noite ligou para Rafael, e tinha em mente apenas uma coisa: Queria tomar um trago. Mas, um trago federal. Talvez Rafael refutasse a idéia e diria a ela que não seria dessa forma que os problemas desapareceriam e Eduardo se jogaria aos braços dela. Porém, fazia um bom tempo que deixara de dar aos seus romances o principal motivo para beber álcool.

Deitou no sofá e desligou as luzes da sala. Encostou os braços na altura dos olhos e ficou balançando os pés no encosto do sofá. Odiava a forma com que Rafael costumava demorar a visitá-la, porém, atribuía essa demora ao fato de que ele ainda precisaria avisar a namorada que iria passar a noite com uma bêbada louca e sedenta por  “eduardizar”. Ou seria “alexizar”? Lembrando sempre que a opção de cada uma dessas ações resultava em fins completamente diferentes.  

De repente ouviu o ronco do motor do carro de Rafa, e subitamente levantou, coçando os olhos e abrindo a persiana. Desceu ele, com duas garrafas de vinho e um disco vinil. Ao subir as escadas do prédio, parou e olhou fixamente para a porta de acesso ao edifício. Respirou fundo, deu mais um passo e encostou-se no corrimão, apoiando as garrafas no chão e acendendo um cigarro. Às vezes Rafael agia de uma maneira estranha quanto a forma como tratava Mônica, e de certa forma, Mônica também agia assim. Talvez houvesse, entre os dois, algo que outrora poderia ter sido resolvido. Mas o tempo passou, a vontade ficou e algo muito especial começou. Mônica tinha por Rafael um respeito imenso, e sentia que nada mais o fazia feliz do que poder passar alguns dias ao lado dela jogando conversa fora ou comentando sobre suas histórias românticas.
Passaram-se alguns minutos e Rafael agarrou novamente as garrafas e tocou o interfone. Mônica nada falou ao telefone, apenas apertou o botão que abriria a porta. Rafael entrou no prédio assoviando e Mônica adiantou-se abrindo a porta. Quando ele a viu, com o cabelo todo bagunçado, uma camisola preta e um chinelo azul – presente da amiga Amanda que sabia que ela simplesmente adorava essa cor – soltou um riso de escárnio fazendo com que Mônica também risse da situação em que se encontrava. Ele soltou as garrafas na mesinha de centro e abriu os braços, Mônica quase que caiu em seus braços, repetindo o quanto aquele abraço fazia falta nos últimos dias. Sentia que o seu coração batia forte – talvez pelas várias xícaras de café – e não conseguia soltar Rafael. Ele desculpava-se pela sua demora e dava diversas razões, mas naquele momento Mônica não ouvia mais nada, apenas dedicava-se a abraçá-lo. De repente, sentiu que algumas lágrimas começavam a cair, Rafael percebeu e ficou sem saber o que fazer até o momento em que Mônica desprendeu-se dele, pegou uma garrafa e direcionou-se para a cozinha. Rafael, assustado, foi atrás dela perguntando o porquê de ela estar assim agora, passando-se tantas da ida de Alex e da volta de Eduardo.
Mônica serviu dois copos de vinho, olhou para ele e disse:
_ Não quero falar sobre isso hoje à noite, Rafa. Essa noite será nossa. – Disse Mônica, encostando a cabeça no peito de Rafael.
_Tem certeza? Estou aqui pra te ouvir, Nica. – disse Rafael, passando as mãos nos cabelos bagunçados de Mônica.
_ Tenho, sim. Tu já sabe demais sobre a minha situação pra ainda ter que ouvir minhas lamentações. Faz o seguinte: apenas dance comigo algumas canções que depois eu te deixo ir. Sério. Juro que não vou te alugar muito. – disse Mônica pegando na mão de Rafael e levando-o até a sala de estar, saltitando.
_ Ah, para. Tu me disse no telefone que queria tomar um trago federal e não sei mais o que.. Agora tem que ser valendo! Essa noite a gente vai quebrar esse apartamento. Só que eu esqueci o Xbox.
_ Mas trouxe o vinil. – disse Mônica, indicando com o dedão o famoso “ok”.
_Posso por pra tocar? – perguntou Rafael.
_ Se não for pedir muito – retrucou Mônica, sorridente.
Eram noites como aquelas que faziam com que Mônica se esquecesse do que estava acabando com os seus dias.  Rafael sempre modificava alguma coisa nela, e isso acontecia com certa freqüência. Sabia que mesmo que seus amores e desamores ocupassem, na maior parte do tempo, suas linhas de pensamento, Rafael conseguiria quebrá-las por algum momento para dar lugar à alegria, pra fazê-la perceber que se não tivesse ele e Amanda para consertá-la, ela passaria a maior parte do tempo tentando se desconsertar.

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Autor Reckless Serenade.

Como diria Gabito Nunes: "eu é que tenho mania de - uns chamam de dom, outros de doença psíquica, e eu gosto de conceber isso como um estilo de vida - romancear tudo."

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