Coleções

E quando você cai em si, dá-se conta de que, ao fim e ao cabo, não passa de um colecionador. Coleciona tudo o que vê pela frente: momentos, sentimentos, tampas de garrafa, recortes de jornal, fotos 3x4, chegadas e partidas e incensos. Tenta desapegar, adotar um novo estilo de vida, porém de alguma forma o universo, a todo custo, quer te provar que é impossível fugir de si mesmo.
E então começa: primeiro coleciona amizades, mesmo aquelas que você, por um breve momento, pensou que seria para sempre; no fim, está sendo treinado a colecionar momentos, lembranças, dores, conselhos, desabafos, traições e garrafas de vodka. As amizades que restam, até hoje, na sua coleção, foram justamente aquelas que te acompanham até hoje nas tuas outras coleções. Com essas amizades, de choro e riso solto, você provavelmente criou os melhores momentos já vividos na sua existência, onde você colecionou dias e também noites olhando para o céu e deixando o coração falar mais alto, meio que na esperança de que o outro o coloque na mão e o acaricie, dizendo: vai ficar tudo bem. Você colecionou momentos em que o outro estava prestes a cair e você o deu a mão; momentos em que a cerveja já estava morna mas a companhia sempre quente, sempre ardente. Só quem teve momentos como esses em amizades sabe do que estou falando. Arde no peito uma vontade de viver muitos anos ainda para poder ver aquela pessoa voar, aquela pessoa ser exatamente aquilo que ela dizia querer ser desde muito cedo. Você coleciona dias em que teve orgulho do seu amigo, dias em que quis pegar o primeiro ônibus e bater na casa dele para dizer: que bom que eu tenho você.
Os seus amigos, mais do que ninguém, são aqueles que conhecem a sua coleção mais profunda: a dos amores.
Um amigo de verdade sabe exatamente aquilo que o outro coleciona dentro do peito.
Entre chegadas e partidas, colecionei momentos em que quis dizer que amava, mas não disse - talvez por medo de admitir para mim mesma que estaria prestes a enfrentar uma nova partida, como se a partir do momento que eu dissesse que amo, estaria autorizando o outro a ir embora se quisesse. Colecionei dias em que deitei a cabeça no travesseiro e apenas a imagem daquela pessoa tomou conta do meu pensamento. Colecionei dias em que amei tanto, mas tanto, que achei que poderia explodir, e depois descobri que era apenas uma paixão e que dois meses sem aquela pessoa seriam suficientes para eu esquecer. Colecionei esperanças de que o outro mudasse, de que o outro amasse, de que o outro vivesse por mim, até entender que quem quer ficar, realmente, apenas fica; a gente não precisa pedir aos céus que a pessoa nos entenda, que nos ame na intensidade que julgamos correta: ela só fará isso se e somente se quiser ficar. Pode ser que, por nossa insistência, fique por mais um dias, mas não por muito.
Colecionei chegadas que pareciam eternas e partidas tão rápidas que hoje fazem eu me questionar sobre a real existência delas. Colecionei, e ainda coleciono, pedaços dos outros; cada um que vai, deixa algo para mim, seja um trauma, uma saudade, um estilo de vida invejável - dificilmente alguém sai de nós sem deixar rastro algum.
Colecionei dias em que tive vontade de correr para bem longe de quem eu julgava que gostava, simplesmente por não entender como alguém pode ser para nós, ao mesmo tempo, o céu o inferno. Colecionei, durante todos os amores que vivi, o gosto de ser os dois lados da moeda, e de forma intercalada: fui a que mais gostava, depois a que menos gostava, a que mais gostava (...) e assim por diante, até entender que a gente nunca sabe, no fim das contas, o que se passa dentro do outro, e que talvez todas as vezes em que eu achei que gostava mais, na verdade eu não gostava tanto assim, e vice-versa. Colecionei beijos, toques, abraços, lambidas, mordidas, desde os mais violentos aos mais carinhosos, e com isso pude aprender que quem gosta mesmo de mim vai conseguir fazer do peito um lar, sem se preocupar muito o que o amanhã reserva - mesmo que isso signifique uma partida. Colecionei sorrisos de pessoas que em dois segundos eu tive vontade de confiar o meu mundo, e ao mesmo tempo colecionei sorrisos de pessoas que, sem eu saber, destruiriam
o meu mundo também em dois segundos. Colecionei olhos castanhos, pretos, azuis e verdes em que acreditei, aqueles que viram, ao menos na maior parte do tempo, realmente quem eu sou, e a partir disso puderam decidir se ficariam ao meu lado ou não. Colecionei momentos à luz da lua, risadas e cervejas mornas que fizeram valer a pena qualquer distância. Colecionei músicas, melodias, solos de guitarra que até hoje me fazem identificar, sem muita dificuldade, o romance vivido.
De tudo, colecionar partidas tornou-se minha sina. Tantos vêm, tantos vão. O que fica em mim, por incrível que possa parecer, é a consciência de que nada é por acaso, e que se eu pedir para o universo me presentear com algo novo para eu colecionar, ele dará um jeito - no tempo certo - de me ofertar um novo beijo, um novo colo, um novo sorriso e um novo olhar para admirar.
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Autor Reckless Serenade.

Como diria Gabito Nunes: "eu é que tenho mania de - uns chamam de dom, outros de doença psíquica, e eu gosto de conceber isso como um estilo de vida - romancear tudo."

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