Era sábado à noite. Santiago descobriu o número residencial que Mônica voltou a usar, tudo numa incessante tentativa de deixar de se prender às tecnologias. Há muito já não ouvia seus melhores discos e deixava uma meia luz na sala. Sozinha, ouvia o telefone tocar. Sabia que era Santiago. Resistia principalmente porque sabia que se atendesse o chamaria para passar uma noite ao seu lado, seja para falar amenidades, seja para reclamar da tecnologia ou para simplesmente se amarem. Juntarem-se e se aninharem no mesmo transtorno: desamor.
Descompassada, retirou os jornais de cima da mesa, serviu meia xícara de café e acendeu um cigarro. Lembrou-se de quanto tempo se passara desde que esse seu gosto havia mudado. Mônica não fumava mais e tampouco tinha gosto por café. O café, o melhor dos cafés - sem açúcar, por favor - ficava pra Adam. Agora ela entendia o que o amargor do café era capaz de fazer numa mente fodida. Acreditava que ele sempre tinha sido um baita de um fodido. Pior que isso, um fodido-apaixonado, mas não por Mônica, o que poderia ser mais grave ainda. A gente nunca sabe o que se passa dentro do outro.
Quase no fim do café, notou que a xícara, tanto usada, tinha um fundo escuro difícil de apagar. Parece que quanto mais a esponja ali passava, mais a xícara ficava mais funda, mais negra.
Mônica riu quando comparou a profundidade da xícara e a escuridão com o que sentia por Adam agora. É tudo tão negro, tão distante e ao mesmo tempo tão profundo. "Eu não quero saber de profundezas agora, Santi".
Mônica finalmente entendia que todas as suas decepções - ou aprendizados, pr'os mais otimistas - tinham causado nela certo receio e desconfiança do que deveria ser, em regra, amor. Tinha experimentado mais de um lado até aqui. Já amou demais, já amou de menos, já tentou salvar o que não tinha salvação e já deixou à mercê o que outro tentava salvar. Era sempre um lado, nunca uma reciprocidade, nunca algo que ela pudesse dizer: porra, a gente tá na mesma vibe.
Ainda assim, enquanto terminava o terceiro dos cigarros, arriscou procurar as últimas páginas de uma agenda velha e encontrou o número de Santiago.
_ Eaí - disse Mônica.
_ Mônica? - perguntou Santiago, surpreso.
_ Pois é. Parece eu. Quer vir aqui tomar um conhaque ou seja-lá-o-que-for?
_ Certo. 5 minutos estou aí.
O telefone desligou. Mônica sentia que aquela casa precisava presenciar ao menos um pouco de sinceridade, de riso, de espontaneidade, mesmo sabendo dos riscos que corria. As xícaras e os copos mereciam serem sujados por outras bocas que não a de Adam, que, inclusive, deliciava-se, agora, nos copos e xícaras de outra qualquer.

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