“Hold back the river,
let me look in your eyes” repetia insistentemente a música na rádio,
enquanto Mônica batia o pé direito no ritmo da música e balançava levemente a
cabeça. Mais um dia servindo outra taça de vinho e planejando ir àquele bar
desabafar para o garçom de sempre. Talvez naquela noite perguntaria o nome
dele, afinal ele sabe muito de sua vida e ela sequer se preocupava com o nome
dele. A música estava quase acabando
quando ela calçou o outro par da bota preta, sentada na ponta da cama. Jogou-se
para trás, colocou as mãos no rosto e respirou fundo. “Essa noite não, por favor”, sussurrava.
Dois minutos depois de pensar se sairia de casa ou não,
levantou-se, parou na porta do quarto e olhou subitamente para aquele porta
retrato na sala, que ela ainda não teve coragem de se desfazer mas que de certa
forma não a fazia esquecer de que ela tinha uma história. Pegou a chave do
carro do bolso, girava na ponta dos dedos enquanto o seu gato passava no meio
de suas pernas, ronronando. Jogou a chave pra cima da cama e resolveu caminhar
até o bar. Jaqueta preta, calça surrada e cabelo nem um pouco ajeitado. “Tomara que pelo menos a Amanda apareça por
lá”, pensou.
Chegando no bar, encontrou Amanda e seu namorados sentados
na mesa do canto junto com um grupo de amigos que ela mal fazia ideia de quem
seriam aquelas pessoas. Cumprimentou-os, deu meia volta e foi para o balcão
descobrir o nome do garçom. Sorridente e nem um pouco constrangida pediu uma
garrafa de vinho, “se não for pedir muito”. Sabia que há quilômetros de distância estava
Santiago, provavelmente com um toco de cigarro na mão e divertindo-se com
alguém. “Menos mal que não sou eu, né Giovane?”,
agora que descobrira o nome do garçom, chamava-o pelo nome como se o cidadão
fosse italiano.
Virou-se em direção de Amanda, que de longe acenava a cabeça
negativamente quando viu que Mônica levantou a garrafa de vinho e pediu
aprovação com um sorriso tímido.
De repente, quando finalmente conseguiu se concentrar no
documentário que estava passando na televisão do bar, avistou Santiago.
Virou-se para Giovane e disse “é ele”.
Giovane riu alto enquanto limpava o balcão com um pano úmido e outro seco
pendurado nos ombros. Mônica jogou quinze reais em cima do balcão, pegou sua
bolsa e foi em direção da saída. Era inevitável que teria que encarar Santiago,
seus amigos e ela. Sentia ódio de si mesma apenas porque nada teria acontecido,
ela apenas queria manter distância.
Ao sair, Santi puxou-a pelo braço e perguntou se ela não
iria o cumprimentar. Mônica deu uma desculpa qualquer e saiu às pressas. No
meio do caminho, Amanda a alcançou como que em desespero: “Onde tu vais, guria? Não vai ir a pé para teu apartamento, pega aqui a
chave do meu carro e vai direto pra casa, tu não tá bem”. Mônica deu de
ombros e pegou a chave. Muito embora precisasse deitar a cabeça no travesseiro
e esquecer a noite, decidiu pegar a estrada até a ponte de ferro que ficava
entre duas cidades do interior. Chegando lá, deixou James Bay tocando – vivia fazendo
seleções musicais para Amanda – , desceu do carro e manteve-se em silêncio
olhando para o horizonte. Acendeu um cigarro e tentou ignorar ao máximo o
telefone que insistia em tocar. Na tela, uma foto tirada há três anos atrás,
quando resolveu pintar a cara de Santi enquanto ele dormia no ônibus de ida à
capital. Não sabia como tudo aquilo teria chegado àquele ponto.
De qualquer sorte, ainda sentia-se viva, e isso fazia valer
os anos em que vivera perto de Santiago.
Fechou os olhos por alguns minutos e deixou que “Stealing Cars” a fizesse cantar
baixinho. Estava escuro o suficiente para que o farol de outro carro tomasse
conta da vista em que Mônica tinha do rio. Parou de respirar por alguns
segundos, no mínimo, até o momento em que ouviu seu nome. Era ele.
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