No fim de agosto.


Quaisquer fossem os olhares que ela desse para Eduardo, um atrás do outro, como se tivessem o poder de soarem imperceptíveis, ainda permaneciam as lembranças daquela placa de número 1932.

Numa noite, cansada de passar a tarde inteira a serviço dos outros, e sem saco pra estudar as apostilas que falavam sobre Freud, decidiu pegar algumas balas de hortelã e álcool gel, sair porta afora e sentir o vento gelado que agosto resolveu trazer, após uma semana de calor intenso. Voltou alguns passos atrás e resolveu pegar uma jaqueta, afinal, sabia que a noite não terminaria quente no sentido figurado da história.

Quando entrou naquele pub, as luzes estavam mais fracas que da última vez, e meio que sem querer confundiam suas vistas cansadas e obrigadas a terem que enxergar através de um óculos que há algum tempo não era limpo. Estava cansada de ter que colocar suas lentes de contato todo dia e sofrer nas épocas de alergia ao pólen.
Achou a mesa mais perto do palco, cumprimentou os seus amigos que ali estavam tocando algumas versões de Pink Floyd, Pearl Jam e Legião Urbana. Chamou o garçom e o questionou se poderia fumar ali mesmo sem causar desconforto aos demais, que contados em mãos não eram muitos. Aproximadamente, além dela havia naquele lugar umas dez pessoas, no máximo.
O garçom, como todo bom moço que se preze, disse à Mônica que a regra da casa é clara: É proibido fumar. Sendo assim, Mônica resolveu pedir uma Brahma e esperar que a vontade passasse até Wish You Were Here acabar.

Foi entre olhares e tragadas que ela enxergou Eduardo, parado ao lado da porta. Subitamente virou a cabeça para frente e fechou os olhos, evitando o impulso de virar a cabeça para a esquerda. Sem muito sucesso, resolveu inclinar um pouco a cadeira, na esperança de que não precisasse passar pelo esforço de ir até ele para cumprimentá-lo.
Mesmo tendo essa intenção, os olhares que quase chegavam até Mônica, ela resolvia desviar. Talvez por medo.
De qualquer forma ela tinha curiosidade em saber como ele estava e se ainda cursava Direito ou se curtia as aulas de inglês aos sábados. Passara tanto tempo que ela ainda tinha medo de saber o que ela tinha sido realmente para ele, mas seria tolice perguntá-lo logo agora, passados longos sete meses duvidosos. Separados entre um namoro que não deu certo e as ligações perdidas nas madrugadas de sexta-feira.

Ao aplaudir a última música da banda de seus amigos, resolveu pedir a última cerveja e ir para casa. Mesmo que não tivesse passado da uma hora da manhã, ela sabia que se bebesse mais, se ouvisse um pouco mais de rock e que se continuasse desviando olhares, acabaria no mesmo banco de carro em que costumava inclinar nas noites de dezembro.
Mônica sabia que ao acordar se arrependeria de não ter vencido o orgulho, e de ter demonstrando uma infantil atitude de quem certamente ainda não esqueceu aquela paixão mal resolvida. Ela nada sabia sobre a vida de Eduardo. Não que algum dia ela soubera, mas sentia falta de ouvi-lo falar sobre como “a cidadania deveria ser intrínseca ao ser humano perante a sociedade”.

Quando colocou o pé para fora, os olhares de Eduardo e Mônica se encontraram. “Agora não vou ter como fugir”, pensou ela. E como se tivesse se surpreendido, Eduardo foi até a sua direção, abrindo um sorriso um tanto quanto doce. Mônica se perguntou se ainda aparentava ter o rosto jovial e os traços ao redor de sua boca bem desenhados, bem como ele costumava defini-la.

Em um meio-abraço e um meio-beijo-na-bochecha, Mônica tentou evitar deixar suas mãos a mostra, pois tinha certeza de que estariam tremendo. Podiam dizer o que queriam de toda essa confusão, mas pela tremedeira que ela tinha na frente de qualquer cara que ela tinha o MÍNIMO de sentimento, ela tremia. Talvez pelo nervosismo de ser aceita, pela necessidade de não parecer tola e de conseguir demonstrar que não está segura sozinha.

Falaram um pouco sobre os últimos acontecimentos, ele perguntou como estava a experiência de morar sozinha e pagar as próprias contas, e riu quando Mônica contou que sua casa vive mais bagunçada que o banco traseiro do carro dele. Eduardo perguntou, meio sem jeito, se naquela noite ela já estava indo para a sua casa, e a convidou para dar uma volta, como nos velhos tempos. Mônica não hesitou ao negar e tentou dar algumas explicações, como quem tem vontade, contudo não quer cair na mesma história de novo.
Ele demonstrou decepção, mas não demorou em dizê-la que aquele convite não seria o último.

Mônica deu de ombros como quem sabe que aquele seria o último, e que se existisse outro, seria feito por mensagem de texto ou por uma ligação no meio da madrugada. De qualquer forma, Mônica ainda sentia que sentia algo por ele, mas tinha em sua mente que seria burrice cair assim, tão fácil, nas garras de quem conseguiu muito bem soltá-la, sem avisá-la ou muito menos explicar-se.


O frio das ruas se misturava com a respiração ofegante e a fumaça de cigarro que saía de sua boca, tornando todo aquele ambiente um tanto quanto idiota. Ela pensava que teria coragem de mandá-lo sair da vida dela, definitivamente, queria dizer que ela não queria mais ver o seu sorriso esbranquiçado de quem teve toda uma infância cuidada pelos pais de forma protetora. Queria dizê-lo que não suportava ver como seus olhos pareciam mais bonitos através das lentes dos óculos e que ela sentia falta das mãos dele deslizando de forma provocante por todo o corpo dela. Queria correrm fechar a porta, chutar o balde, beija-lo, abraça-lo e dize-lo que sente falta dele, mas sabe que não conseguiria viver com ele.

Fora um dia como esses, em que a razão decidira se misturar com a emoção. E sem muito sucesso, Mônica acabara na mesma cama. Mantendo na lembrança os quatro dígitos que por um dia ela fez questão de decorar para que pudesse achá-lo pela cidade.


Milhas e milhas tentei percorrer
Por milhas eu não soube aonde ir
Às vezes não espero encontrar
Talvez um dia eu te encontre por aí

Talvez eu deixe você escolher
Enquanto eu me perco por aqui
Às vezes quero tudo que sonhei
Às vezes o que eu quero é desistir”
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Autor Reckless Serenade.

Como diria Gabito Nunes: "eu é que tenho mania de - uns chamam de dom, outros de doença psíquica, e eu gosto de conceber isso como um estilo de vida - romancear tudo."

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