Mais um deslize.


Pegou a bolsa, colocou dentro o seu celular, seu último trident, uma palheta, um cartão de moto-táxi, o número de sua psiquiatra, uma cartela de paracetamol, fones de ouvido,  uma camiseta desbotada, uma lixa de unha, sua última carteira de cigarros, um isqueiro e seu óculos. Abriu o portão da frente de casa, olhou para os dois lados da calçada, hesitou em andar, mas sabia que se não saísse naquele dia, ficaria em casa esperando ligações que quem sabe não aconteceriam.


A verdade é que ela não tinha deixado dita nenhuma palavra que fizesse com que ele ficasse, com que ele tivesse visitado a capital e não tivesse dormido ao lado de outra mulher. E foi por isso que ela entendeu que, mesmo tapada de raiva e com vontade de perguntar o porquê de ele ter criado toda essa situação, as coisas não foram definidas desde o começo. Quando ele ligava pra ela, era apenas para dizer que estava cansado de todo esse orgulho dos dois e que queria que as coisas se decidissem de uma vez por todas, cara-a-cara. Só que as coisas nunca mudavam, eles brigavam ao telefone e acabavam sempre não se encontrando. O resultado disso? Ele partiu pra capital e encontrou outra pessoa uma pouco menos confusa e mais certa do que queria.

Ela sentiu-se um pouco culpada por ter aceitado os convites do Alex, mas sabia que se não estivesse ao lado dele, não existiria outra pessoa que fosse até a sua casa para lhe sorrir e dizer que estava com saudades. De começo, hesitou em abraçá-lo e beijá-lo, pois realmente acreditava que havia alguém do outro lado da cidade que esperava, ansiosamente, para algum dia provar de seu beijo.
Pensando agora, ela teria errado se tivesse evitado qualquer tipo de envolvimento com Alex, mesmo depois sabendo que talvez ela não fosse a única ali que ele estava ligando todo dia.
Entretanto, logo após andar algumas quadras, seu telefone tocou.

_ Onde tu tá?
_ Por aí.
_ Tu viu que dia é hoje? Tu vai querer sair comigo pra conversar?
_ Tanto faz. Me contra no Google Maps. – e desligou o telefone.

Gostava de tratá-lo assim, apesar de sentir que não levaria a nada. Parou na frente de um pub que ela sempre frequenta e o encontrou ali sentado, sozinho e com um litro de Heineken. Ele sorriu e abaixou a cabeça.
_ Te encontrei mais fácil do que eu imaginava. Senta aqui comigo.
_ Quem vê diz que tu não sabe que eu sempre passo por aqui.

Talvez ela gostasse dele, mesmo que ele tivesse caído na vida dela numa véspera de feriado qualquer em que a última coisa que ela queria era voltar para casa acompanhada. Talvez tivesse sido esse jeito largado de falar e esse cabelo bagunçado que tivesse feito com que ela se sentisse num show do Strokes e quisesse a todo momento estar ao lado daquele cara.
Se ele vai ligar nos próximos dias, isso ela não poderia saber. Mas, de qualquer forma, ligando ou não, ela teve alguma chance de conhecê-lo e fazer com que ele conseguisse conviver com todas as suas mudanças de humor. E além disso, conseguiu fazer com que ele não fugisse pra capital.
Talvez no outro dia ela acordasse na cama dele e fosse rir de tudo isso. Mas ela fez o que queria, e não é sempre assim que as coisas aconteceram? Não é sempre que tudo dá certo, mas ela pode dizer que não deixou de fazer o que tinha vontade. Quando a gente quebra a cara mais de uma vez, a gente entende que não é por isso que vai deixar de viver. Talvez as histórias sejam parecidas, mas os personagens são diferentes e o dia já amanheça diferente. Ah, guria, todo mundo sabe... No dia seguinte sempre haverá uma nova chance de fugir de todo esse caos que todo mundo chama de “rotina”.


There's no sensation to compare with this
Suspended animation, a state of bliss
Can't keep my mind from the circling skies…

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Autor Reckless Serenade.

Como diria Gabito Nunes: "eu é que tenho mania de - uns chamam de dom, outros de doença psíquica, e eu gosto de conceber isso como um estilo de vida - romancear tudo."

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