Todo domingo

Todo domingo, especialmente a partir das 19h, um padrão se repete.
Todo domingo, o coração acelera, a língua fica seca pedindo mais um gole de vinho para poder aguentar a expectativa de mais uma semana. Dessa vez só tinha vinho branco seco, e Mônica riu enquanto o servia na taça - realmente, um vinho tinto, cor de sangue, cor viva, não a ajudaria num domingo à noite. Melhor assim, um vinho claro, sem uma cor vibrante, que de certo modo poderia fazê-la aterrissar brutalmente no presente, sem espaço para devaneios.
Tarde demais, os devaneios e as inspirações surgiam a cada instante. Ao caminhar da cozinha para sala, ao tomar banho, ao ouvir uma expressão em sua série qualquer. Tudo era motivo para uma pausa reflexiva e, consequentemente, uma deixa para que o coração acelerasse e a respiração se tornasse mais dificultosa.
De qualquer modo, Mônica tomou um gole do seu vinho, torceu a boca, soltou um suspiro e foi conversar com Vênus, a primeira a aparecer no céu. A primeira pergunta que surgiu em sua mente foi: "O que aconteceria se eu não mais sentisse?". Por alguns segundos, ao tentar abrir o coração e degustar o vinho seco, entendeu que se não mais sentisse, essa seria a sensação: torceria a boca, engoliria tudo a seco, mas, em busca de alguma paz interior, ainda assim insistiria em beber o "não-sentir". A cada segundo que pensava em como seria a sua vida desse modo, a escuridão passou a ser mais presente do que o jogo de cores que o entardecer oferecia gentilmente. A natureza consegue ser gentil até nos domingos, pensou Mônica.
Se não mais sentisse, os domingos à noite seriam mais fáceis de tragar: acordaria perto do meio-dia, praticaria yoga com calma, sem pensar em quantas cebolas era preciso comprar no mercado; almoçaria, tomaria um café forte, assistiria mais um capítulo de sua série favorita, e quando o relógio batesse 19h provavelmente nem se daria conta; jantaria, deitaria, dormiria e sonharia - ah, coisa boa que amanhã é segunda-feira. Provavelmente não ficaria tanto tempo nas redes sociais, provavelmente conseguiria dormir cedo e não relembraria de beijo algum antes de dormir.
Talvez se não mais sentisse, todos os seus pensamentos seriam objetivos: se eu quero ganhar aquela promoção, preciso me esforçar; se eu quero viajar daqui a 6 meses, é melhor começar a guardar dinheiro; se eu lavar mais alguma roupa hoje, ficarei sem sabão em pó. Enfim, os pensamentos não seriam invadidos por devaneios sentimentais ou saudades incessantes, e nesse modo automático talvez viver fosse um pouco mais fácil.
Se não mais sentisse, não se sentiria nostálgica ao ouvir Bombay Bicycle Club. Se não mais sentisse, não lembraria dele com saudade e muito menos desejaria abraçá-lo fortemente. Se não mais sentisse, possivelmente sonharia com ele, mas ao acordar não ficaria com um sorriso bobo admirando a luz entrar pelas frestas da janela. Se não mais sentisse, não se perguntaria "onde anda você?"; não sentiria um aperto no peito por pensar no quanto sente, no quanto quer, no quanto ainda tem esperança em um beijo de despedida, que seja. Provavelmente, não guardaria consigo uma caixa de lembranças, não teria o ímpeto de ler autores e querer compartilhar com ele tudo aquilo que a faz sonhar.
Se não mais sentisse, talvez as coisas seriam diferentes do que eram há um mês. Talvez se não mais sentisse não teria havido silêncio, dúvida e saudade. Talvez essa sequência não se repetisse mais com tanta frequência.
Mas, ah, se não mais sentisse, talvez não valeria a pena viver. O mundo não seria colorido o suficiente se o coração não acelerasse ao imaginar aquele beijo novamente. Se não mais sentisse, não mais seria ela mesma. Se não mais sentisse, não teria amigos, não apreciaria poesia e muito menos música popular brasileira. Se não mais sentisse, ela nem sequer o teria conhecido - e imaginar um mundo assim é muito cruel. "Quer saber, Vênus? Talvez o que me faz continuar aqui é a ânsia de continuar sentindo".
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Autor Reckless Serenade.

Como diria Gabito Nunes: "eu é que tenho mania de - uns chamam de dom, outros de doença psíquica, e eu gosto de conceber isso como um estilo de vida - romancear tudo."

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